Dosier
Encruzilhando saberes: apontamentos críticos para uma biblioteconomia interseccional e equânime
Resumo: Este estudo tem como objetivo buscar apresentar ao campo da biblioteconomia a interseccionalidade a partir da intelectual afro-americana Patrícia Hill Collins. Busca também refletir como essa teoria social crítica e ferramenta analítica pode dialogar com o campo biblioteconômico, possibilitando que esse campo desenvolva olhares mais críticos em relação ao mundo social. Essa visão vai ao encontro do que foi apontada por teóricos da área, em diferentes contextos históricos, que sinalizaram a presença da ideologia da classe dominante na constituição e manutenção de um único saber, influenciando na atuação das pessoas bibliotecárias, forjando uma atuação conservadora e excludente, principalmente nas bibliotecas, o que afeta e influência nas relações entre esse espaço, esse profissional e a sociedade. Como metodologia, é de natureza básica, exploratória e de abordagem qualitativa. A partir dos resultados apresentados, percebe-se que o posicionamento político dos autores evidenciados nesse texto reforçou a necessidade de construir-se uma agenda pautada pelos direitos humanos, por justiça social, racial, de gênero e epistêmica, visando minimizar os danos causados pelas relações de poder e pela luta de classes e que é ainda reproduzido pela classe bibliotecária nos seus espaços de atuação. Assim, é necessário instituir uma biblioteconomia brasileira interseccional (teoria e prática), que atue alinhada estreitamente às demandas sociais e políticas presentes no contexto social, evidenciando novos saberes e novos conhecimentos, em busca da equidade e da justiça social.
Palavras-chave: Interseccionalidade, Biblioteconomia interseccional, Justiça social, Brasil.
Crossing knowledge: critical notes for an intersectional and equitable library science
Abstract: This study seeks to present the intersectionality to the field of Library Science from the African-American intellectual Patrícia Hill Collins and reflect on how this critical social theory and analytical tool can dialogue with the library science field, enabling this field to develop more critical views in relation to the world social, since in different historical contexts, theorists in the area have pointed out the presence of the ideology of the dominant class in the constitution and maintenance of a single knowledge, influencing the actions of librarians, forging a conservative and exclusionary action, especially in libraries, which affects and influences in the relationships between this space, this professional and society. As a methodology, it is a basic, exploratory and a qualitative study. From the results presented, it is clear that the political positioning of the authors highlighted in this text reinforced the need to build an agenda based on human rights, social, racial, gender and epistemic justice, aiming to minimize the damage caused by power relations and class struggle and which is still reproduced by the librarian class in their spaces of activityit. It is necessary to establish an intersectional Brazilian Library Science (theory and practice), which acts closely aligned with the social and political demands present in the social context, highlighting new knowledge and knowledge, in search of equity and social justice.
Keywords: Intersectionality, Intersectional Library Science, Social justice, Brazil.
Encrucijada de saberes: notas críticas para una bibliotecología interseccional y equitativa
Resumen: Este estudio tiene como objetivo presentar la interseccionalidad en el campo de la Bibliotecología de la mano de la intelectual afroamericana Patrícia Hill Collins. También busca reflexionar sobre cómo esta teoría social crítica y herramienta analítica puede dialogar con el ámbito bibliotecario, permitir que este campo desarrolle visiones más críticas en relación con el mundo social. Esta visión está en línea con lo que han señalado los teóricos en el campo, en diferentes contextos históricos, que señalaba la presencia de la ideología de la clase dominante en la constitución y mantenimiento de un conocimiento único, influir en el trabajo de los bibliotecarios, forjar un enfoque conservador y excluyente, principalmente en las bibliotecas, lo que incide e influye en las relaciones entre este espacio, este profesional y la sociedad. Como metodología es básica, de carácter exploratorio y tiene un enfoque cualitativo. De los resultados presentados, se desprende que el posicionamiento político de los autores destacados en este texto reforzó la necesidad de construir una agenda basada en los derechos humanos, la justicia social, racial, de género y epistémica, con el objetivo de minimizar los daños causados por las relaciones de poder y la lucha de clases, que aún es reproducida por la clase bibliotecaria en sus espacios de actividad. Por lo tanto, es necesario establecer una Bibliotecología brasileña interseccional (teoría y práctica), que actúe estrechamente alineada con las demandas sociales y políticas presentes en el contexto social, resaltando nuevos conocimientos y nuevos saberes, en busca de equidad y justicia social.
Palabras clave: Interseccionalidad, Bibliotecología interseccional, Justicia social, Brasil.
1. Introdução
Alguns autores que estudam e discorrem sobre a biblioteconomía brasileira, com um olhar atento e crítico, apontam a existência de nomenclaturas que rotulam esse campo. A biblioteconomía pode ser uma biblioteconomía alternativa, uma biblioteconomía ativista, uma biblioteconomía socialmente responsável, uma biblioteconomía radical, uma biblioteconomía anarquista, uma biblioteconomía militante, uma biblioteconomía guerrilheira, uma biblioteconomía política, uma biblioteconomía humanista, uma biblioteconomía progressista, uma biblioteconomía crítica e também social.
Social, ela é. Mas, teoricamente. Afirmamos isso decorrente dos estudos preocupados com a pedagogia aplicada na formação das pessoas bibliotecárias e com a atuação desses profissionais. Apresentamos nesse texto, o quanto, em diferentes contextos históricos, teóricos da área apontaram a presença da ideologia da classe dominante na constituição e manutenção de um único saber, influenciando na atuação das pessoas bibliotecárias, forjando uma atuação conservadora e excludente, principalmente nas bibliotecas, o que afeta e influência nas relações entre esse espaço, esse profissional e a sociedade. Além do valor (ou a ausência dele) dado pelos indivíduos.
Tanus (2021) aponta que as tipologias das biblioteconomias apresentadas acima, surgem para quebrar com o conservadorismo e a ideia de neutralidade presente. Elas têm em comum a “construção do espaço da crítica, do diálogo, da reflexão e de um outro fazer que encontra um território fértil a favor dos direitos humanos e da justiça social, dentre outros valores morais e sociais de uma sociedade democrática, trazendo discussões antes ignoradas e silenciadas como classe, raça, gênero e sexualidade” (Tanus, 2021, p. 2).
Para fortalecer essa afirmação, propomos encruzilhar os saberes, trazer apontamentos informacionais para estabelecer uma outra biblioteconomía, a biblioteconomía interseccional. Um campo que atue sobre a ótica da metáfora da interseccionalidade que, como aponta Collins (2022, p. 47): “propicia novas perspectivas acerca de cada sistema de poder, acerca de como esses sistemas se cruzam e divergem uns dos outros e acerca de possibilidades políticas sugeridas”. Por isso propomos uma biblioteconomía que seja responsável socialmente.
Nesse contexto, temos como objetivo apresentar ao campo da biblioteconomía a interseccionalidade a partir da intelectual afro-americana Patrícia Hill Collins. A autora mencionada é professora emérita do Departamento de Sociologia da Universidade de Maryland. Vale destacar que Collins presidiu a Associação Americana de Sociologia e é considerada como uma das principais influentes pesquisadores do feminismo negro nos Estados Unidos, junto com outras intelectuais negra mundialmente conhecidas, como bell hooks,1 Kimberle Crenshaw,2 Audre Lorde,3 e Angela Davis.4 Seu primeiro reconhecimento surgiu a partir da publicação da obra "Black feminist thought: knowledge, consciousness and the politics of empowerment", publicado originalmente em 1990, onde a mesma buscou destacar como as opressões de raça, classe, gênero, sexualidade e nação se interrelacionam, construindo sistemas de poder mutuamente implicados, além de apontar porque as mulheres negras têm histórias únicas nas intersecções dos sistemas de poder, criando visões de mundo a partir de uma necessidade de autodefinição para trabalhar em nome da justiça social. Collins já escreveu várias obras, textos e proferiu inúmeras palestras por todo o mundo, abordando os feminismos negros e também sobre a interseccionalidade, como as obras: Interseccionalidade (2020), escrita com Silma Bilge e Bem mais que idéias: a interseccionalidade como teoria social crítica (2021).
A partir da relação com as visões bibliográficas que serão apresentadas, justifica-se que ao propor uma nova perspectiva, interseccional, cabe rever o status relativo à quem faz, o que faz, como se faz e para quem se faz a biblioteconomía. Assim, a interseccionalidade permite descentralizar o sujeito epistemológico da ciência moderna, a fim de criar novas formas de discursos, que compreendam olhares minoritários, possibilitando a viabilidade da revisão dos produtos e ações da biblioteconomia, de modo a considerar demandas de grupos marginalizados; repensar abordagens e métodos, para que os processos de informação e conhecimento sejam alargados, renovados, refeitos a fim de incluir novos saberes e práticas, além de destacar novas demandas informacionais e novas formas de interação entre a informação e as comunidades.
O caminho para uma biblioteconomia brasileira interseccional requer um corte, para que se rompa com tradições e valores que mantêm a hegemonia na biblioteconomia, um corte para que um novo fluxo de conceitos e práticas se estabeleça na área.
Diante do exposto, esse trabalho buscará refletir como a interseccionalidade apresentada por Collins, essa teoria social crítica e ferramenta analítica pode dialogar com o campo biblioteconômico, possibilitando que esse campo desenvolva olhares mais críticos em relação ao mundo social.
2. A biblioteconomía brasileira: o que diz o seu olhar social?
A biblioteconomía brasileira atenta aos aspectos sociais evidencia-se quando se alia ao pensamento crítico-reflexivo, buscando fortalecer a diversidade e promover a inclusão social e informacional. Vergueiro (1988) afirmou que não podemos deixar de lado o entendimento de que as pessoas bibliotecárias precisam possuir uma responsabilidade social para com a sociedade que deve atender. No entanto, por ter se ocupado com a organização da informação, sem olhar amplamente para as diversas realidades dos usuários de informação, e sem, por conseguinte, fortalecer sua diversidade e promover sua inclusão, a biblioteconomía brasileira acabou se colocando num patamar de idealização deslocada, onde não havia uma relação entre as suas realidades e as dos sujeitos informacionais.
Para discorrer sobre esses pontos apresentados, traremos aqui apontamentos construídos por teóricos da biblioteconomía brasileira, em diferentes contextos históricos. Justificamos essa decisão por entendermos, a partir de leituras realizadas, que as discussões críticas constituídas a partir da preocupação de fortalecer a responsabilidade social da pessoa bibliotecária coincide com momentos históricos como, o período da redemocratização pós ditadura militar no Brasil e com as transformações vividas pelo sistema econômico, que influenciaram na formação e atuação da pessoa bibliotecária. Escrito isso, traremos apontamentos feitos por Vergueiro (1988), Almeida Júnior (1997), Silva & Lins Silva (2010) e Tanus (2017).
Trazemos primeiro alguns apontamentos feitos por Vergueiro. Este, no texto intitulado O Bibliotecário e a mudança social: por um bibliotecário ao lado povo, escrito em 1988, coloca uma pertinente questão: “[...] até que ponto os bibliotecários estão contribuindo para integrar à sociedade como cidadãos, àquelas parcelas da população desprovidas das condições mínimas para uma participação social digna?” (Vergueiro, 1988, p. 208). A partir desse ponto, o autor vai nos levando para um caminho onde nos diz que não se pode deixar de levar em conta que toda pessoa bibliotecária necessita entender e atuar de uma maneira que a sua responsabilidade social esteja em evidência e permita que o profissional atue entre a informação e a população nunca vista antes pelas pessoas bibliotecárias, por aqueles que se encontram em grupos sociais subalternizados. E ainda, afirma que isso só poderá ocorrer a partir de práticas políticas conscientes, principalmente por conta da seguinte preocupação:
Um espaço muito importante pode não estar sendo preenchido pelos profissionais da informação na organização das sociedades de países subdesenvolvidos: o de trabalhadores de vanguarda. E isto, se realmente estiver ocorrendo, é algo realmente deplorável. Afinal, isto viria apenas a demonstrar que nós, os bibliotecários, estamos perdendo o trem da história sem provavelmente nos darmos conta disso (Vergueiro, 1988, p. 214).
Trazemos também para esta discussão o que Almeida Júnior apontou em sua obra Sociedade e biblioteconomía, escrita em 1997. O autor nos alerta para como as bibliotecas atuam nas comunidades e atuam a favor do fortalecimento da classe dominante e transforma as bibliotecas em aparelhos hegemônicos e excludentes:
A biblioteca tende a veicular informações imbuídas de conceitos contrários às propostas sócio-político-econômicas e culturais da maioria da população. Refletindo posturas e interesses da classe detentora do poder, a biblioteca transforma-se num instrumento de dominação. As informações que normalmente são veiculadas pela biblioteca, apenas são decodificadas e absorvidas pelos que possuem um mínimo de “iniciação”, um mínimo de “conhecimentos”, um mínimo, porque não dizer de “informações”. A complexidade das informações está proporcionalmente relacionada, para seu entendimento, ao acervo de conhecimento de cada usuário. A biblioteca, ao se preocupar com o usuário “culto”, amplia o fosso da “distribuição de informações” nada para quem tem e muito para quem já tem (Almeida Júnior, 1997, p. 66).
Já para Silva & Lins Silva, no artigo intitulado Biblioteca, luta de classes e o posicionamento da biblioteconomía brasileira: algumas considerações, escrito em 2010, os autores trazem três pontos cruciais para esse estudo. A primeira, reforça o que foi apontado por Vergueiro (1988) e Almeida Júnior (1997), que a biblioteca, trazendo como exemplo a biblioteca pública, essa forjada pelo Estado, atua a partir dos interesses ideológicos e da política determinada, o que acaba transformando esse espaço em um aparelho de poder hegemônico, reproduzindo as ideias da ideologia dominante, o que nos leva a refletir para quem serve as bibliotecas. O segundo ponto nos leva a olhar para a formação das pessoas bibliotecárias, onde há três fases históricas da biblioteconomía brasileira:
De 1911 a 1930: uma biblioteconomía com tendência humanista, sob a liderança da Biblioteca Nacional, do Rio de janeiro;
De 1930 a 1970: uma biblioteconomía caracterizada pelo tecnicismo norte americano;
De 1970 a 1987: uma biblioteconomía com caráter nacional. Mas os autores ressaltam que a formação pedagógica, mesmo a partir de 1987, se constitui como uma formação que valoriza as questões administrativas e técnicas em detrimento das potencialidades sociais, o que reforça a certeza de que a área é despolitizada. E vemos isso evidenciado no fazer, na atuação profissional da pessoa bibliotecária.
No entanto, os autores trazem uma saída. Silva & Lins Silva (2010, p. 212) afirmam que as “transformações que a biblioteconomía precisa passar devem estar focadas na satisfação das necessidades da sociedade”. E reforçam que:
É preciso reconhecer que a luta de classes como um fenômeno historicamente materializado em ações econômicas, políticas e sociais de dominação por parte da elite tem ocasionado uma profunda desigualdade social, sendo perceptível que a biblioteca, em sua maioria, tem apenas composto ações para a manutenção dessa realidade (Silva & Lins Silva, 2010, p. 214).
Para fechar o ciclo de apontamentos, trazemos Tanus. A autora, no seu texto biblioteconomía e Contradição social, escrito em 2017, aponta que “a biblioteca é fundamental no jogo dialético, na superação de categorias como, por exemplo, opressor/oprimido, informados/ desinformados e ordem/desordem” (Tanus, 2017, p. 208). E justifica, dizendo que:
A biblioteca não deve e não pode contribuir para essa dicotomia que opera na sociedade, entre aqueles que têm acesso de um lado e os que não têm acesso do outro. A biblioteca é uma instituição a serviço de todos os usuários/cidadãos e não apenas a uma elite que detém o poder e o controle do discurso dominante (Tanus, 2017, p. 210).
A partir desses apontamentos, entendemos que há na biblioteconomia brasileira discursos atentos e críticos que reforçam o que as bibliotecas se caracterizam e para quem elas acabaram servindo. Como esses espaços informacionais desenvolvem suas práticas a favor de apenas uma classe, a classe dominante, deixando de ampliar seus olhares para suas práticas, deixando de atuar a partir de uma perspectiva social, sem se preocupar com a sua responsabilidade social e sem buscar conhecer quais são os outros grupos sociais que não são atendidos.
O que fazer? Mudar essa postura neutra, buscando a parcialidade de uma outra maneira, como os autores trouxeram acima? Como pensar a biblioteconomía brasileira interseccional (teoria e prática), alinhada estreitamente às demandas sociais e políticas presentes no contexto social, evidenciando novos saberes e novos conhecimentos, em busca da equidade e da justiça social? Na próxima seção, apresentamos a interseccionalidade como uma saída para reforçar a necessidade que a biblioteconomía brasileira precisa para compreender o seu fazer social.
3. Encruzilhando os saberes: evidenciando a interseccionalidade a partir de Patricia Hill Collins
A interseccionalidade é reconhecida como uma forma importante de investigação crítica e de práxis. Nos Estados Unidos, território onde iniciou as discussões sobre o tema, as ideias surgem baseando-se nas ideias dos movimentos sociais que buscam/buscaram por justiça social de grupos sociais (étnicos, de gênero e classistas). A interseccionalidade lança luz sobre como as desigualdades sociais locais se articulam com os fenômenos sociais globais.
Nas universidades, as diversas áreas do conhecimento abrangem perspectivas variadas acerca da origem da interseccionalidade, questionando e revendo se ela é uma teoria ou uma metodologia, visto que suas tradições de ação social e de produção intelectual acadêmica podem desenvolver análises teóricas críticas do mundo social.
Nessa seção, temos a intenção de apresentar a interseccionalidade como uma investigação crítica a partir do olhar de Collins (2022). Mantendo-se nesse campo, nos traz os pensamentos metafórico, heurístico e paradigmático que possibilitam o mapeamento de como as pessoas adentram à interseccionalidade, respondendo a ela e a desenhando como forma de investigação crítica. Diante disso, trazemos essa representação a seguir (Quadro 1):
Usos metafóricos, heurísticos e paradigmáticos da interseccionalidade, apresentam a necessidade de se pensar a dimensão dos construtos sociais, relacionalidade, poder, desigualdade social, contexto social, complexidade e justiça social, e suas premissas orientadoras, as quais podemos entender como suposições que influenciam estudos e práticas voltadas à interseccionalidade. Em relação aos construtos centrais, alguns são intrínsecos à interseccionalidade, como a relacionalidade, já outros são contingentes, como o poder e as desigualdades sociais. E vamos discutir cada um, um pouco mais a frente.
Para contextualizar a figura acima, começamos pelo uso metafórico da interseccionalidade que propicia uma nova visão das relações sociais como entidades interconectadas; é uma nova forma de conceituar as relações de poder e se apoia no poder das metáforas no processo de teorização das relações de poder e de identidades políticas. Kimberlé Crenshaw cunhou o termo a definindo como uma metáfora, criando uma linguagem provisória que ela poderia utilizar para analisar e corrigir limitações do pensamento monocategórico (identitário apenas), em relação a raça e gênero, determinando um processo comunicativo de duplo conhecimento e focando nas relações conceituais entre esses e outros marcadores sociais.
Collins (2022) afirma que Crenshaw não tinha cómo saber que estava nomeando a interseccionalidade como uma forma de investigação crítica e práxis quando trouxe essa terminologia no início dos anos 1990, momento em que publicou seus dois artigos mais conhecidos sobre a temática, mas reforça que essas produções científicas ampliaram a visibilidade das relações dos movimentos sociais com a comunidade acadêmica. Os movimentos sociais (e aqui vale destacar quais) dos povos indígenas, dos afro-americanos estadunidenses, das mulheres, das pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIA+ e das pessoas latinas, pressionavam a academia para uma mudança institucional que estabelecesse uma revisão do conteúdo do conhecimento produzido nas instituições de ensino, visto que esses grupos também produziam conhecimento baseados em suas experiências de vida, conhecimento nomeado por Collins como conhecimento resistente.
A autora também nos traz a visão de Crenshaw quando a mesma sinalizou que os movimentos antirracistas e feministas se prejudicariam se vissem que suas lutas não estivessem interconectadas. Para ela, os sistemas racistas e sexistas colaboram com as desigualdades sociais, visto que marginalizam indivíduos e grupos sociais e étnicos.
Como metáfora, vale ressaltar que a interseccionalidade não determinou como seria a transformação social e nem como alcançar a justiça social, mas nos deu a oportunidade de ligar as estruturas sociais, enxergar os problemas sociais apontados pelos movimentos sociais, as ideias que os reproduzem, como os sistemas se cruzam, como se divergem e, além disso, a partir de uma nova perspectiva analítica, nos permite construir novas possibilidades para se alcançar a justiça social. No entanto, a metáfora da interseccionalidade como uma encruzilhada, tem seus limites questionados.
Abrindo um parêntese, Anzaldúa (1987), em sua obra intitulada Borderlands/La Frontera: the new mestiza, expande a ideia da metáfora da interseccionalidade como uma encruzilhada ministrada por policiais, trazendo a metáfora da fronteira como um ponto de encontro, onde esse ponto de encontro serve para descrever as experiências de transitar por espaços marginais, fronteiriços e de forasteiro, possibilitando-as para trocas “democráticas” no que seriam esses espaços interseccionais de poder e engajamento político.
Mesmo com esse olhar mais expandido sobre a interseccionalidade como metáfora, é importante forjar de que maneira as pessoas entendem as relações étnicas e sociais. A interseccionalidade consegue agrupar a convergência de inúmeras demandas sociais que visam a justiça social e práticas acadêmicas, além de oportunizar o surgimento de novos paradigmas em se tratando da análise dos sistemas de poder e como esses se interconectam. Collins (2022, p. 49) afirma que:
Por um lado, a interseccionalidade como metáfora fornece um dispositivo cognitivo para pensar a desigualdade social nas relações de poder. Ela convida as pessoas a pensar além das perspectivas já conhecidas que consideram apenas raça ou apenas gênero a fim de lançar um novo olhar sobre os problemas sociais. Por outro lado, a interseccionalidade como metáfora fornece uma estrutura para aproveitar o que as pessoas já sabem sobre racismo para aprender sobre sexismo e vice-versa.
Já o uso heurístico provê a interseccionalidade como uma ferramenta importante para a resolução de problemas, explicando o mundo social, fornecendo um caminho acessível para as pessoas que a utilizam para tratar de problemas sociais, a partir da interconectividade entre os marcadores sociais (raça/gênero/classe). Também nos apresenta a necessidade de repensar os relevantes construtos sociais de identidades subjetivas dos indivíduos e grupos sociais e do conhecimento existente, o que acaba possibilitando um aumento de novos conhecimentos desses e sobre esses. Para Collins (2022, p. 55): “as heurísticas informam as questões para um determinado estudo, para um plano de ação política e para a resolução de problemas da vida cotidiana. As heurísticas oferecem orientação, como regras práticas ou práticas comuns, para a ação social”.
Vale ressaltar que o uso heurístico da interseccionalidade não pode ser genérico, é necessário compreender o que cada um significa, pois, se cada marcador social apresenta estruturas distintas, eles devem ser analisados de maneira individual, mesmo que resulte numa combinação entre eles, evitando assim a criação de novos problemas sociais. Trazendo Crenshaw para a discussão novamente, vale ressaltar que antes de cunhar o termo interseccionalidade, a autora utilizava a heurística vigente de raça/classe/gênero como elementos interseccionais como um ponto de início para se buscar a resolução dos problemas relativos às diversas formas de violência. Além disso, para Collins (2022), usar a interseccionalidade como heurística possibilita o processo de repensar as instituições e relações sociais, o conhecimento existente e também a construção de novos conhecimentos. Mas, não de forma genérica. Ela ressalta que se deve atentar às particularidades das próprias categorias, ou às questões sociais que catalisaram os estudos de raça/gênero/classe e a interseccionalidade, para que novos problemas sociais não sejam criados.
Deste ponto para diante, vale nos debruçar sobre as mudanças de paradigmas relacionados à interseccionalidade, as quais vão além de uma mudança de ideias, mas também de como as práticas e o campo de estudo se organizam para a resolução de problemas e alcance de objetivos, assim, a interseccionalidade se atém a problemas sociais relativos a desigualdades e seus produtos, o que abre novos caminhos para investigações. Para além, as mudanças paradigmáticas revelam que estruturas tradicionais não são mais suficientemente eficazes para explicar realidades sociais.
Vale trazer para a discussão que os construtos sociais servem para desenhar o uso paradigmático da interseccionalidade. Começamos pela relacionalidade. Essa dá forma à interseccionalidade, é essencial para a mesma e provoca interconexões e relações. Os marcadores sociais de raça/classe/gênero, além de outros sistemas de poder são forjados e mantêm-se por conta das conexões estabelecidas; as suas relações são fortalecidas, possibilitando o fortalecimento da relevância analítica desse construto social que é a relacionalidade nas pesquisas interseccionais e apresentando como as várias posições sociais, onde se enxerga os indivíduos, os sistemas onde estão inseridos e atuam, assim como outras estruturas, adquirem significado.
Em se tratando do poder, suas intersecções provocam separações sociais entre raça/classe/gênero (dentre outros marcadores sociais) onde, colocadas no contexto monocategórico, acaba dificultando a compreensão desses. Collins destaca que “a interseccionalidade postula que os sistemas de poder coproduzir uns aos outros de modo que reproduzem tantos resultados materiais desiguais quanto às experiências sociais distintas que caracterizam as experiências das pessoas de acordo com as hierarquias sociais” (Collins, 2022, p. 71).
A interseccionalidade catalisou a necessidade de repensar as desigualdades sociais, essas que tiveram suas estruturas teorizadas e explicadas no meio acadêmico de maneira particular, mas que devem ter suas causas entendidas de maneira interseccional, visto que as relações de poder não sobrepostas é que produzem e reforçam suas estruturas. E nesse meio estão os contextos sociais que nos levam a entender de que maneiras as comunidades produzem e organizam os seus conhecimentos, já que esses nos levam a conhecer e compreender onde se localizam os indivíduos que constroem as relações de poder e que nos leva a buscar a interseccionalidade como uma ferramenta investigativa para analisar as complexidades em busca da justiça social.
Collins (2022, p. 67) comenta a necessidade de compreender que a interseccionalidade engloba diferentes projetos advindos das ciências humanas, podendo abrigar vários paradigmas para orientar descobertas e análises, se movendo para um horizonte aberto, sendo um ponto de partida para uma teoria social crítica e não um ponto final. Do ponto de vista da autora, “[...] a interseccionalidade contribuiu para mudanças de paradigma no pensamento sobre como as relações de poder mutuamente construídas determinam os fenômenos sociais”.
A interseccionalidade vem se delineando como uma teoria social, a qual está em construção e para isso se faz importante distinguir algumas diferenças entre e como as ciências sociais e as ciências humanas produzem e entendem a teoria social. Visto que a interseccionalidade acessa ciências sociais e humanas, ela pode ser conceituada por uma teoria que orienta a busca pela verdade, ou em outros momentos como uma teoria que orienta a busca do significado social. Metáforas, heurísticas e paradigmas associados adquirem função de ferramentas da teorização interseccional nestas ciências.
A interseccionalidade então se dá por um esforço coletivo, onde os indivíduos lhe acessam em momentos diferentes, por vias diferentes e quando isso acontece não há uma teoria pronta às esperando. A teorização interseccional se constrói justamente por meio do pensamento crítico, possibilitado através do acesso destas pessoas e grupos às ferramentas de pensamento crítico. Collins (2022) enfatiza que a interseccionalidade não é modismo acadêmico. A autora a enxerga como um diferente tipo de teoria social, que está associada à justiça social e com isso lhe confere outro sentido a sua teorização. A interseccionalidade tem sido associada a aspirações de mudanças e transformações sociais.
4. Passos metodológicos
Tocante à natureza da pesquisa, trata-se de um estudo básico que, de acordo com Rodrigues & Neubert (2023, p. 42), “objetiva a produção de conhecimentos novos, úteis para o avanço da Ciência, sem previsão de aplicação prática e que envolve interesses universais”. Trata-se também de um estudo aplicado, pois, segundo as mesmas autoras, procura produzir conhecimentos dirigidos à solução de problemas específicos, estando, portanto, associado a interesses locais e específicos.
Quanto aos objetivos, é um estudo exploratório pois foi necessário estabelecer a ampliação do conhecimento da biblioteconomía no cenário brasileiro, focando nos aspectos relacionados à responsabilidade, à identidade, à representatividade, aos protagonismos sociais e à justiça social. Assim, está focado nos traços característicos da interseccionalidade evidenciada por Collins, para que seja possível argumentar que é necessário fortalecer a biblioteconomía brasileira a partir de um caráter social ético-político.
Para Creswell (2014, p. 49): “a pesquisa qualitativa começa com pressupostos e o uso de estruturas interpretativas/teóricas que informam o estudo de problemas da pesquisa, abordando os significados que os indivíduos ou grupos atribuem a um problema social ou humano”. Para o mesmo autor, essas abordagens possuem várias características e as que se aproximam desse estudo são as lentes teóricas e interpretativas. Em se tratando das perspectivas teóricas qualitativas, Creswell (2007) aponta algumas disponíveis. Aqui faremos destaque para a teoria crítica onde há interesse na capacitação dos seres humanos para transcenderem às restrições impostas pelos sistemas opressores. Essas são usadas pelos pesquisadores como uma forma de investigação onde os mesmos fazem uso de uma intepretação do que enxergam e entendem sobre, por exemplo, estudos voltados para as questões de gênero, raça e classe.
Em se tratando da análise de dados, usamos a interseccionalidade como ferramenta analítica nessa pesquisa, nos embasando em Collins & Bilge (2021), visto que a interseccionalidade investiga as relações interseccionais de poder que influenciam as relações sociais.
5. Porque colocar a biblioteconomía brasileira na encruzilhada?: à guisa de discussão
Honorato & Honorato (2021) afirmam que uma forma de apresentar a interseccionalidade é retomando as metáforas empregadas por Crenshaw para caracterizar a interseccionalidade. Os autores apontam que Crenshaw recorreu à imagem de um cruzamento entre avenidas para se referir ao modo como os efeitos de múltiplas formas de discriminação se intersectam na experiência de indivíduos ou grupos marginalizados. No artigo escrito por esses teóricos, intitulado “Interseccionalidade e Encruzilhada: enxuzilhamentos”, são apresentados os conceitos de três termos que se relacionam: interseccionalidade, encruzilhada e enxuzilhada, tomando como referências, as intelectuais negras Collins e Berge, bem como Leda Maria Martins e Cidinha da Silva. Vale ressaltar que esse artigo foi escrito a partir de palestras proferidas no evento Decolonialidade e ciência da informação: veredas dialógicas, pela bibliotecária e professora titular da Escola de Ciência da Informação, Maria Aparecida Moura e pela jornalista e doutora em Ciência da Informação, Bianca Santana.
Nesse estudo, Honorato & Honorato (2021) elaboraram um texto interconectando os três conceitos apresentados, trazendo reflexões a partir dos seguintes pontos: interseccionalidade e representação, representação e encruzilhada e enxuzilhando a representação. Para responder à questão que representa essa seção, trazemos aqui apenas o que esses autores destacaram sobre a perspectiva da encruzilhada e do enxuzilhamento. No entanto, vale destacar que Martins (1997) diz que enxuzilhar, enxuzilhada e enxuzilhamento é um neologismo que enfatiza a relação do Orixá Exu com a encruzilhada. A encruzilhada é um lugar de interseções, onde reina o senhor das encruzilhadas, portas e fronteiras, Éxu Elegbara, princípio dinâmico que medeia todos os atos de criação e interpretação do conhecimento.
Visto que a ideia desse estudo é apresentar a biblioteconomía a partir da perspectiva da sua atuação e da sua relação com a sociedade, reforçando o que Honorato & Honorato (2021, p. 9) dizem, que a “encruzilhada pode ser o lugar das interseções, se compreendermos a interseção como processo dinâmico, em que a interação tensionada entre códigos culturais distintos permite que um modifique o outro ao mesmo tempo em que se modifica”, e que a metáfora da interseccionalidade é uma teoria social crítica e também uma metodologia que analisa as intersecções de raça/classe/gênero, como a biblioteconomía brasileira deve analisar esses marcadores sociais para alterar a sua atuação, para fortalecer os aspectos e abordagens dos pensamentos e conhecimentos de grupos invisibilizados, oportunizando a organização e o acesso à informações que representem toda a diversidade social e epistêmica existente e assim promover a justiça social?
Reforçando o papel da interseccionalidade, de acordo com Dorlin (2021, p. 80), o conceito de interseccionalidade é metodológico, pois “permite experimentar e diagnosticar as epistemologias da dominação, bem como as estratégias de resistência que delas decorrem [...]”. E de que forma a biblioteconomía brasileira resiste a uma transformação em que a sua formação e atuação estejam alinhadas às realidades plurais? Analisemos o tradicional espaço de atuação da pessoa bibliotecária. Silva & Lins Silva (2010) afirmam que a biblioteca é um instrumento de grande valor teórico prático, no entanto precisa ser identificada, no seu cerne, como um espaço institucional funcional e que seja efetivamente útil para a sociedade. E por que essa afirmação faz sentido? A biblioteca é um espaço de práticas políticas e sociais, e tais práticas são de interesse de um determinado grupo social e étnico. Os mesmos autores dizem que, pensando numa biblioteca pública, a mesma é constituída a partir de uma política de ação social que imprime a ideologia do Estado, uma ideologia dominante, e o Estado acaba transformando a biblioteca num aparelho ideológico onde os seus interesses, as informações que desejam que sejam organizadas, disponibilizadas e disseminadas, sejam acessadas.
E diante disso, perguntamos: a quem serve a biblioteca? A quem serve a pessoa bibliotecária que atua nesses espaços? Como resposta, não é descabido afirmar que a biblioteca acaba servindo a uma classe social, fortalecendo a manutenção dos seus privilégios e visibilizando apenas os saberes que são produzidos por esses. Além de afastar “a grande maioria da população por não ver traduzidos seus anseios cotidianos na biblioteca e não visualizar como uma instituição socialmente útil” (Silva & Lins Silva, 2010, p. 210). A biblioteca se torna um espaço de exclusão quando também acaba ofertando apenas o acesso à informação registrada. Quando não busca atender às pessoas analfabetas, ou quando não busca atender pessoas em situação de rua, ou quando não atende às pessoas da comunidade LGBTQIA+. Ou, ainda: quando excluem pessoas negras e indígenas de acessarem os espaços da biblioteca e não os representam em seus acervos bibliográficos, por exemplo. Diante disso, Vergueiro (1988) pergunta e nos faz refletir: até que ponto os bibliotecários estão contribuindo para integrar à sociedade como cidadãos aquelas pessoas que fazem parte das populações desprovidas das condições mínimas para uma participação social digna?
É necessária uma mudança de postura e a internalização definitiva do entendimento dos direitos de qualquer cidadão ao acesso à informação. É necessário construir serviços e produtos informacionais que atendam a todo público de usuários da informação para que de fato a biblioteca seja para a o povo. É necessária uma atuação política, social, educativa, cultural, pedagógica, administrativa das pessoas bibliotecárias que atuam nas bibliotecas. Também é:
Preciso reconhecer que a luta de classes como um fenômeno historicamente materializado em ações econômicas, políticas, e sociais de dominação por parte da elite tem ocasionado uma profunda desigualdade social, sendo perceptível que a biblioteca, em sua maioria, tem apenas composto ações para a manutenção dessa realidade (Silva & Lins Silva, 2010, p. 214).
Para Silva (2020, p. 86):
Bibliotecas só irão atingir seu pleno potencial quando incluírem pautas e debates de lutas sociais vigentes e historicamente reivindicadas, tais como as barreiras de acesso às populações marginalizadas, incluindo as diversas formas de exclusão social e as historicamente criadas com base em raça, classe, gênero, etnia, idade, condição física, orientação sexual, níveis de desenvolvimento, posição na economia global, entre outros.
Diante dessas afirmações, propomos a construção de uma biblioteconomía interseccional que estabeleça uma formação que combata o epistemicídio e a injustiça epistêmica, e que paute “[...] à transformação/revolução social, rumo a uma sociedade sem desigualdades e sem preconceitos como o racismo, o machismo, a xenofobia e a homofobia etc.” (Tanus, 2021, p. 21). Que a ideia ainda impregnada da neutralidade na biblioteconomía brasileira, além de um olhar embaçado que insiste em não enxergar as diferenças, seja retirada da equação formada. Que o comprometimento com a mudança social necessária seja levado mais a sério, e que, de acordo com Silva (2020, p. 102), “o fazer científico leve em conta as outras formas de saber e que as perspectivas que buscam a criticidade, a inclusão, o respeito à diversidade e a pluralidade de pensamentos, sejam evidenciadas na biblioteconomía contemporânea”. Apostamos nisso pela via da interseccionalidade.
Considerações finais
Chegamos a esse ponto e vemos que a biblioteconomía brasileira se apresenta a partir de uma perspectiva ativa, crítica e progressista buscando o seu ser social. O posicionamento político dos autores que foram destacados nesse texto reforçou a necessidade de construir-se uma agenda pautada pelos direitos humanos, por justiça social, racial, de gênero e epistêmica, visando minimizar os danos causados pelas relações de poder e pela luta de classes e que é ainda reproduzido pela classe bibliotecária nos seus espaços de atuação.
O desejo de conceber uma biblioteconomía interseccional perpassa pelas possibilidades apontadas por Collins. É a partir do uso da interseccionalidade apresentada por essa intelectual, como uma ferramenta crítica e analítica percebe-se que é possível constituir estratégias para a resolução de problemas, explicando o mundo social, fornecendo um caminho acessível para as pessoas que a utilizam para tratar de problemas sociais, a partir da intersecção entre os marcadores sociais (raça/gênero/classe).
A interseccionalidade apresentada por Collins catalisou a necessidade de repensar as desigualdades sociais, visto que as relações de poder não sobrepostas é que produzem e reforçam suas estruturas. Também, a mesma autora, nos apresenta a necessidade de repensar os relevantes construtos sociais de identidades subjetivas dos indivíduos e grupos sociais e do conhecimento existente, o que acaba possibilitando um aumento de novos conhecimentos desses e sobre esses onde apresenta os caminhos para se estabelecer o entendimento da diversidade existente e as características que constituem os sistemas de poder que influenciam nas intersecções entre os marcadores sociais que representam os grupos e os contextos sociais que a biblioteconomía pouco quer ver.
As pessoas bibliotecárias precisam buscar rever suas práticas, processos e teorias, que ainda servem, muitas vezes, para manter a ordem e um pensamento hegemônico excludente. É necessário rever para que possam relembrar qual a postura social deve-se exercer nas comunidades onde atuam. É necessário buscar a saída para se fazer o retorno ao ponto de partida.
Financiamento
Este artigo foi produzido no contexto da bolsa de Doutorado financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/Brasil).
Roles de colaboración
Andréia Sousa da Silva
Conceituação, Curadoria de Dados, Análise Formal, Obtenção de financiamento, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Validação, Visualização de dados, Escrita – primeira revisão, Escrita – revisão e edição.
Rodrigo de Sales
Análise formal, Investigação, Administração do projeto, Supervisão, Validação, Escrita – revisão e edição.
Referências
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Notas
Recepción: 30 Marzo 2024
Aprobación: 31 Julio 2024
Publicación: 01 Octubre 2024